quarta-feira, março 18

Pensamentos, apenas pensamentos.



Chegou á esplanada a meio da tarde e viu que estava cheia como era costume nestes dias de sol. Tinha decidido ir apanhar um pouco de ar porque precisava desesperadamente de pôr as ideias em ordem, e nada melhor do que o fazer junto ao mar. Apesar da aragem já se tornar um pouco fresca, gostava destas tardes ensolaradas no inverno.
Dirigiu-se para a única mesa disponível, mesmo na primeira linha, onde podia “envolver-se” com a imagem daquele oceano que se espraiava á sua frente, esquecendo todo o reboliço de gente e copos nas suas costas. Tinha tanto em que pensar, a sua mente não tinha tido descanso nos últimos tempos, e nos anteriores a esses últimos, para ser mais exacta.
Pediu um café duplo e uma água com gás bem fresca. Enquanto observava o mar, mexia o café que o empregado já lhe tinha servido. Bebericou e recostou-se. Aquilo já durava há 8 meses, não seria tempo demais? Era quase como gerar um filho, só que neste caso nem sequer sabia se aquela trapalhada iria parir algo de bom. Ela assim o desejava, mas não chegava faze-lo sozinha, e na verdade era isso que sentia. Estava sozinha no meio da trapalhada. Não se queixava disso, nem podia, afinal tinha sido ela a enredar-se, com a sua inquietação, a sua impaciência e com o seu mau feitio, sempre tão pronto a saltar cá para fora quando a impaciência se torna desesperante. Não sabia o que fazer. Sentia-se presa naquela situação e não era assim que queria estar. Mas no entanto não achava que estivesse preparada para virar costas. As coisas não eram assim, não com ela. Via tantas vezes os outros a descartarem pessoas, sentimentos e desejos, com uma facilidade tremenda, mas ela não era assim. Nem tão pouco se deixava levar por jogos de sedução em que, em última análise, ninguém ganha, antes pelo contrário, todo o processo leva a perdas dificilmente recuperáveis. Era bem mais fácil fazer isso, virar costas, e como se costuma dizer “esperar que passe”. Até porque, se houve alturas em que sentiu que havia algo de bom a vir “de lá”, outras houve em que desejou nunca ter tropeçado naquele desejo, e nessas alturas tudo o que conseguiu foi uma mágoa dolorosa. Felizmente esses momentos foram poucos.
Teve várias vezes vontade de voltar a estar próximo da causa deste pensamento. Várias vezes? Bem, enfim, quase sempre. E tentou, a medo mas tentou, sempre sem sucesso e agora achava que tinha perdido esse direito. Esse era outro dos seus defeitos, o medo de importunar, de incomodar os outros, de deixá-los em situações complicadas e desconfortáveis. E assim, acabava apenas por perder oportunidades, ou no mínimo, de não as criar. Agora restava-lhe esperar por um convite ou por uma casualidade inesperada. Mas sentia-se de novo inquieta e por isso, há dias atrás, tinha tentado provocar uma reacção. Pensou bastante antes de o fazer, pois sabia que estava a correr o risco de se sentir de novo magoada, e na verdade foi isso que aconteceu, ou seja, não houve qualquer reacção. Sabia que era o mais provável de acontecer e nem perdeu muito tempo a pensar nessa falta de reacção.
A estupidez disto tudo é que não precisava disto. Não está desesperada em busca de algo, sente-se muito bem com o que tem e quando não tem, sabe bem onde procurar, se assim o desejar. O que complica tudo é que parece que o seu desejo, tal como a sua alma, ficaram assoberbadas com isto. E, ainda assim, ela não deixa de sentir que isto é certo. Que este desejo é insaciável, mesmo que ela consigo o que tanto quer. Não lhe parece que seja possível algo mais certo que isto. Sente-se segura em relação a isso, embora os elementos da equação sejam, pelas suas características, complicados e imprevisíveis. Mas sem tentar…
Quase sem dar por isso, o sol já se esconde na linha do horizonte, com uma beleza de quase suster a respiração. Tinha passado horas nestes pensamentos sem ter chegado a algum lado. Enfim, restava-lhe continuar à espera que algo de extraordinário a surpreendesse. Já tinha acontecido, e foi demasiado excitante e delicioso, porque não voltar a acontecer? Como era a frase? “Existem duas soluções para tudo: o tempo e o foda-se”, que o tempo corra a favor ou que o foda-se seja intenso e acompanhado de um sorriso de orelha a orelha.
Levantou-se, aspirou profundamente o cheiro do mar e caminhou de volta á sua vida.
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