quinta-feira, agosto 20

Á deriva na inquietude - II


II

A Emily estava a demorar. Aquela espera estava a tirar-lhe o sorriso. Será que ainda demora? Ela não tinha o hábito de falhar com o que combinava. Deve de estar por aí a aparecer. De repente ouve a campainha. Ora aí está, deve de ser a Emily, pensou. Dirigiu-se para a porta cheio de convicção.
- Emily, olá rapariga! Como estás? Entra!
- Olá Joseph, há muito tempo nãos nos víamos. Estás bem? Trouxe uma cervejinha fresca para molhar a conversa.
- És a maior! – Disse Joseph com um sorriso de orelha a orelha.
Lá foram pondo a conversa em dia, entre cigarros e copos de cerveja e a tarde foi passando. Gostava de conversar com a Emily, eram momentos como estes que o faziam perceber que a sua vida não estava perdida. Ainda lhe restavam alguns bons amigos. Tinha que se focar um pouco mais nisso para afastar os fantasmas.
Estava envolto nestes pensamentos, a apreciar o sorriso e a conversa da Emily, quando toca o telemóvel. Era a Mags, alguém com que também já não falava há muito.
- Desculpa Emily, é melhor atender.
Mags queria falar-lhe na possibilidade de voltarem a tocar juntos e de repente sorriu. Agradava-lhe a ideia, embora já tivessem experimentado anteriormente e não tinha resultado em grande coisa. Mas enfim, talvez desta vez, sem algumas variáveis menos agradáveis dentro da equação, a coisa fosse diferente e quem sabe até resultasse em algo de bom. Combinou encontrar-se com Mags para falarem melhor sobre o projecto e desligou.
- Era a Mags, com uma proposta que pode ser interessante.
Explicou a situação á Emily e viu-a iluminar-se de contentamento.
- Joseph, isso pode ser muito bom para ti. Ocupas o tempo a fazer algo de que gostas realmente. Vais aceitar?
Boa pergunta. Sentia vontade disso, mas precisava de pensar melhor no assunto. Afinal, ia ter que se deslocar e com bolsos vazios e as pernas sempre a dizerem não, implicava um certo esforço, que não sabia estar preparado para fazer.
- Não sei Emily. Vou ter que pensar um pouco nisso.
- Olha, e que tal vires jantar lá a casa e falarmos sobre isso? Pode ser que te ajude a decidir bem!
Emily era sempre tão positiva, ainda bem que a tinha como amiga. Adorava vê-la sorrir assim.
- Ok, vamos lá jantar então. Mas já sei que vais apertar comigo – disse a rir.
Saíram e dirigiram-se para casa da Emily. Durante o trajecto, Emily recebe uma chamada de Tom. Outro amigo em comum.
- Joseph, acabei de convidar o Tom para jantar connosco. Sempre me ajuda a dar cabo dessa cabeça dura.
Riram-se os dois. Tom era um bom amigo, talvez o seu melhor amigo. Ia ser bom estar com ele também.
Em casa de Emily, ajudou-a com o jantar até á chegada de Tom.
- Tom, amigo, há quanto tempo! Estás com óptimo aspecto! Já eu, enfim…
- Tu estás cada vez mais na mesma, Joseph!
Com uma gargalhada e uma palmada terminam os cumprimentos e já vão a dirigir-se á cozinha para se juntarem á Emily.
- Ei Tom, a janta está quase pronta. Estava a ouvir-te dizer que este tipo está cada vez mas na mesma e deu-me para rir. Tens mesmo razão Tom! – Diz Emily.
- Oh Emily, e que tal pararem de bater no ceguinho e servires mas é um aperitivozinho á malta, hein?
- É para já, rapaz!
Emily serviu os aperitivos, enquanto Tom e Joseph foram tratar de pôr a mesa.
Eram sempre bons os jantares em casa da Emily, ela cozinhava como ninguém e tinha o bom hábito de regar bem as refeições. Sentia-se quase em casa. Faltava-lhe aqui qualquer coisa. Sem dar por isso já estava a pensar na Lianne. Há uns dias que não pensava nela, tinha vontade de a ver. Com um levantar de sobrancelhas afastou estes pensamentos. Não era altura de pensar na Lekker, estava entre amigos e com outras preocupações a ocuparem a sua mente.
Propôs um brinde, ao que a Emily assentiu.
- Sim, um brinde á tua volta às lides musicais!
Tom ficou surpreendido e logo quis saber que se passava. Depois de lhe explicar, ficou algum tempo a ouvir a Emily e o Tom convencerem-no que devia tentar. Ao fim de alguma conversa começou a achar que talvez tivessem razão. Ia ser um esforço, mas era capaz de valer a pena.
- Ok, ok! Acho que vou acetar. Aliás, vou falar com a Mags e se gostar do projecto, e eu acho que vou gostar, aceito, ok? Não precisam de me chatear mais. Vai mas é buscar outra garrafa, Emily!
Foi uma noite divertida, a relembrarem tempos idos e outros bem mais recentes. Tinham imensas histórias em comum e juntos, divertiam-se sempre. Mas a noite estava no fim e ele tinha que ganhar coragem para se fazer ao caminho. E se precisava de coragem, era uma caminhada longa e já estava uns centímetros acima do chão. Belo vinho este da Emily. Sabia bem o que lhe faltava.
- Emily, que tal um shot de vodka para o caminho?
- Oh Joseph, tu e essa coisa da coragem liquida!
Emily serviu três shots, beberam quase de um trago e despediram-se. Saiu com o Tom e depois de um abraço, seguiram caminhos opostos.
Foi todo o caminho a praguejar e teve que parar várias vezes. Já há alguns anos que tinha algumas dificuldades com as pernas, dores, os nervos a prenderem, e a tendência não era para melhorar.
- Porra para estas pernas. Já lhes dei álcool abundantemente, não sei que querem mais. Canivetes malditos, vão ter que chegar a casa!
Com algum esforço lá chegou ao destino tão desejado.
- Casa, finalmente! Mas foi boa a noite, valeu o esforço.
Sorriu e atirou-se para cima da cama tal como tinha chegado da rua. Às vezes sentia que se queixava demais. A sua vida não era perfeita, mas ainda tinha amigos, uma casa e talvez, talvez uma vida. Enrolou o último cigarro da noite, acendeu-o e recostou-se. Vamos ver o que acontece, pensou. Os seus amigos tinham razão. Devia a si próprio tentar. E, ia voltar a agarrar no seu baixo. Sentia que era isso que queria. Apagou o cigarro e decidiu.
- Vou voltar a tocar!
Recostou-se e fechou os olhos com um sorriso estampado no rosto. No entanto sentia alguma inquietação.
- Merda para isto! Como se fosse possível dormir.
Lianne, era o nome que tinha na cabeça. Precisava de a ver, precisava de a sentir. Agarrou no telemóvel e ficou a olhar para ele. Não era fácil. Sentia que quanto mais a tinha, mais a queria e mais ela lhe escapava. Estava a tornar-se um vício. Mais um.
Finalmente lá se decidiu e enviou-lhe um “call me”.
- Se ela estiver para aí virada, liga-me.
E voltou a recostar-se.
Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.