segunda-feira, junho 13

Uma ida ao cinema


Era noite de cinema. Assim tinha sido em todas as quintas-feiras desde que o verão tinha começado. Mas era sempre uma enorme chatice. Na vila apenas havia uma sala, com um filme semanal, sem escolha, apenas um. E por vezes, por razões que desconhecia por completo, a reposição não era feita atempadamente. Nessas alturas, quase que suspirava de alívio, podia recusar sem qualquer culpa, essa ida ao cinema. Noutras, mesmo que achasse o filme uma enorme estopada completamente desinteressante, não tinha como recusar. Os amigos insistiam, chateavam, requisitavam a sua presença sem lhe dar a mínima hipótese de recusa. E ela lá ia, contrariada mas cheia de paciência para passar mais uma noite a ver sem sentir, apenas a ver imagens passarem-lhe diante os olhos até se sentir exausta e os fechar. Eram assim a maior parte das noites de cinema. Suspeitava que esta não ia ser diferente.
Saiu para se encontrar com os amigos na esplanada do costume. Já lá se encontravam, felizes numa noite quente de verão. Cumprimento-os e pediu um café e uma aguardente velha. Ao menos isso, ia contrariada mas com o espirito satisfeito. Bebeu o café intercalado com suaves goles de aguardente e esforçou-se por se juntar á alegria dos companheiros. Ao chegar ao cinema comprovou que o filme não lhe interessava minimamente, ia ser uma estopada. Chamava-se 'A banqueira', um filme francês de 1980 realizado por Francis Girod, com a participação de Rommy Schneider e Emma Eckhert. Enfim... ia ser mais uma daquelas noites.
Com um sorriso resignado e depois de lhe porem o bilhete na mão, lá foi á procura do seu lugar. Sentou-se e preparou-se para duas horas de perfeita letargia. Ouviu o sinal de desligar de luzes e olhou para a cadeira do lado. Estava vazia. Menos mal, sempre se podia esticar para aquele lado sem incomodar ninguém. Recostou-se e fechou os olhos. Vamos lá. As luzes apagaram-se, toda a sala ficou em silêncio e as imagens começaram. De repente sentiu alguém sentar-se na cadeira vazia. Há sempre os que chegam já depois do filme começar. Lá ia ter que ficar meio encolhida, ou então esticava-se já para aquele lado, não dando qualquer hipótese do ocupante da cadeira se sentir muito á vontade. Aquela sala tinha um problema, além de as cadeiras serem de madeira se estofo, os braços eram partilhados entre cadeiras. Se alguém pousava o seu braço sobre o braço da cadeira, o vizinho do lado sentia-se bastante apertado. Ela ia já resolver essa questão e esticou o seu braço sobre o braço da cadeira.
Tal como suspeitava, o filme estava a revelar-se entediante, o que a fez suspirar com desânimo. Até que, de repente, sentiu uma mão sobre a sua perna. Ficou alarmada, que era aquilo? O vizinho da cadeira do lado estava a tirar-lhe as medidas á perna. Raios, e agora o que deveria fazer? Deveria insurgir-se com tal ousadia e falta de respeito, claro. Esticou-se para se virar para o senhor quando sentiu que a mão se tinha deslocado para o seu braço e ouviu um sussurro numa voz doce que lhe disse "tem calma... não te quero fazer mal, deixa-te ir". Voltou a recostar-se. Aquilo parecia-lhe totalmente errado, mas que raio, até lhe estava a saber bem, que mal é que poderia vir dali? E pelo menos era um homem, com voz doce e uma mão macia. Decidiu deixar-se ir. Lembrou-se que estava de calças e que só isso iria dar um trabalho tremendo aquela mão. Sorriu com gosto.
A mão deixou o braço e voltou a pousar sobre a perna. Ia-se passeando entre a perna e o interior da coxa. Gostava daquela sensação e parecia-lhe que a mão também gostava. Passado algum tempo, a mão começou a subir pelo interior da coxa até á zona genital, pressionando-a. Começou a sentir-se excitada. Parecia que afinal aquela ida ao cinema não iria ser má de todo. Sorriu com malicia. A mão subiu até ao cós das calças, tacteou á procura do botão abrindo-o com destreza. E de rompante tentou enfiar-se dentro das calças, mas não estava a ser fácil. Estava
sentada e as calças eram apertadas. Deveria ajudar? Decidiu que era melhor antes que aquilo descambasse e lá se fosse o fecho das calças. Assim que deixou de sentir resistência, a mão enfiou-se destemida nas suas calças. Sentiu-a brincar com a renda da sua lingerie, quase até ao adormecimento, até que bruscamente se enfiou dentro dela. Gostava daquela cadência entre suave e brusco e começou a sentir todo o seu corpo a latejar. Sentia-se húmida. A mão também sentiu. Ouviu um abafado "que bom". Era bom sim, não queria que aquilo parasse. A mão descobriu o seu clitóris, inchado, quase erecto, e foi envolvendo-o com suaves massagens. Todo o seu corpo passou para estado de tensão ao ouvir a voz da mão dizer-lhe " és tão quente, só quero dar-te prazer". A sua boca abriu-se mas foi incapaz de emitir qualquer som. Estava completamente absorta por aquele prazer. A mão ia alternando entre introduzir os dedos na sua vagina e a massagem do clitóris. Começou a gemer e o amigo que estava no outro lado perguntou-lhe se estava tudo bem. A custo respondeu que sim. Tinha que evitar os sons o que não ia ser nada fácil. Queria perder-se naquele prazer mas precisava de estar alerta. Tapou a boca. Sentia-se como a subir a um cume, ansiosa com a expectativa da queda. Esticou o braço, também queria tocar o dono daquela mão, mas foi impedida com a explicação " hoje é só para ti". Desejava que aquele momento não acabasse, toda a sua pele assim o pedia. E de repente sentiu uma explosão vinda dos confins do seu corpo. Sentia o prazer emanar de todos os seu poros com um estremecimento infindável. Por fim, sentiu de novo o chão, fechou os olhos e deixou-se escorregar na cadeira. A mão retirou-se suavemente. Ouviu um sussuro "saborosa". Não se atreveu a olhar para o lado. Começou a sentir culpa. A ideia de enfretar quem lhe tinha acabado de dar aquele prazer, era aterradora. Ficou quieta até o filme acabar e as luzes se acenderem. Olhou para o lado e viu a cadeira vazia. Melhor assim, não se ia esquecer daquilo mas era melhor que a mão ficasse incógnita. Não tinha sido uma noite de cinema normal. Tinha sido a melhor noite de cinema da sua vida.

quinta-feira, junho 9

Á deriva na inquietude - III


A madrugada prolongava-se, a inquietação aumentava e não tinha nada que o pudesse acalmar. Deu mais duas voltas na cama, olhou o telemóvel, sorriu e lembrou-se. Lembrou-se da última vez que tinha sido tocado com paixão. E a que paixão a Lianne se entregava. Era sempre tão intenso estar com ela. Sentia falta dos seus lábios, das suas mãos, do modo como se entregava. De repente sentiu-se excitado.
- Mau! Isto vai de mal a pior.
Levantou-se, respirou fundo, entrou na casa de banho e mijou.
- Preciso de água, de um cigarro e isto passa.
Ouviu o telemóvel tocar e olhou para o relógio.
- Uauh! Às cinco horas da manhã?
Era a Lianne, finalmente! Apressou-se a atender.
- Olá papoila! Estava a pensar em ti. Acordaste agora ou acabaste de chegar a casa? – Riu-se.
Ouviu a Lianne falar-lhe da grande noite de copos que tinha tido. Ela era assim, adorava festarolas, achava até, que ela vivia apenas para isso, para a grande festarola. Foi ouvindo-a e a vontade de estar com ela foi crescendo.
- Quando é que nos vemos, papoila? – Disse a medo da resposta não ser aquela que mais desejava.
Depois de lhe falar de todas as coisas que tinha para fazer, Lianne por fim, combina um jantar em sua casa para daqui a uns dias. Sorriu ao antecipar como seria bom. Ia estar com ela.
Continuaram a conversa por mais uns minutos repletos de disparates e gargalhadas sinceras, eram assim a maior parte das suas conversas, e por fim desligou.
- Beijo bom, papoila linda – sorriu e desligou. 
Olhou para o tecto. Dormir, era bom dormir. Mas esta papoila poe-me em alvoroço.
Torceu o nariz e olhou para a janela. Já estava a surgir o dia e ainda não tinha pensado em álcool, estranho. Enrolou um cigarro com as mãos trémulas do costume. Depois de uma bela bafurada lembrou-se da conversa com a Mags. Tinha que voltar a falar com ela e dizer-lhe o que pensava. Sim, podia tentar voltar a tocar mas sabia que não ia ser fácil voltar a lidar com Lex e de certo Mags não ia achar piada ás discussões constantes. Tinha sido assim desde que se lembrava, duas almas quase incompatíveis que nem precisavam de abrir a boca para se chatearem um ao outro. Sempre que tocavam juntos bastava uma nota fora do sitio, ou mesmo colocada no sitio bem demais, para o Lex se passar, como se estivesse sempre a competir. Mas os anos passaram, estavam todos mais velhos, talvez estivessem diferentes. Ou não.
Pegou no telemóvel com a ideia de enviar um "call me" á Mags, quando ouviu alguém bater á porta.
- Catano, logo de madrugada? Mas quem é a besta que me vem chatear agora?
Levantou-se de um pulo, tropeçou nas botas e bateu com a cabeça na esquina da parede.
- Porra! Isto começa bem, começa! E ainda nem água bebi!
Dirigiu-se para a porta com a mão a pressionar a testa, quando ouviu bater de novo.
-Já vai! - gritou e arrependeu-se logo a seguir. Que dor de cabeça tinha acabado de arranjar e tudo á custa de uma qualquer avantesma madrugadora, pensou.
Abriu a porta de rompante e deu de caras com o seu mais recente pesadelo, o senhorio.
- Bom dia sr. joseph, venho mais uma vez lembrar-lhe que tem a renda em atraso. Isto não pode continuar assim. Ou resolve isto rapidamente ou tenho que tomar medidas.
- Bom dia, eu sei, eu sei. Estou a tentar resolver mas está difícil. Vai ter que me dar mais algum tempo. Mas podia vir dizer-me isso a horas mais decentes, não?
- Olhe, está avisado - disse o senhorio ao virar costas.
Joseph fechou a porta com estrondo. Raios partam esta merda, já me tinha esquecido deste traste, pensou. O dinheiro mal lhe dava para comer, beber uns copos e pagar algumas contas. Passava a vida a fazer malabarismos com os trocos e a renda não fazia parte desse número.
-Este gajo qualquer dia passa-se e vai ficar tudo lixado. Lá vou eu viver na rua, outra vez. Que raio, logo de manhã? Já me fodeu o dia todo!
Entrou na casa de banho e olhou-se ao espelho.
- Heya, agora é que estás mesmo bonito! - riu-se ao ver metade da testa em ebulição de tão vermelha. Lavou a cara, bebeu água em abundância e pegou an escova de dentes. Já não havia pasta dentífrica. Ficou a olhar para a escova e para o tubo de pasta espalmado até dizer mais não.
- Que se lixe, vai mesmo sem pasta, fazer o quê?
Escovou os dentes, passou com o pente no cabelo e sorriu a olhar para o espelho.
- Bem te podes esforçar, melhor que merda dificilmente ficas! - disse para o espelho a rir de si mesmo.
Vestiu a mesma t-shirt e sentou-se a enrolar um cigarro. Tinha mesmo que dizer algo á Mags, podia ser que o seu dia melhorasse. Acendeu o cigarro, deu duas bafuradas e recostou-se. Pegou no telemóvel e enviou um "call me" a Mags. Agora era aguardar que ela ligasse de volta.
Começou a sentir fome, lembrou-se que deveria de ter uma lata de sardinhas algures perdida no fundo no armário. Levantou-se lentamente e ao olhar para as botas, deu-lhes um pontapé valente.
- Saiam lá do meu caminho! - praguejou logo de seguida pela dor que tinha acabo de infligir a si próprio.
Na cozinha era o caos de sempre. Lembrou-se que se tinha esquecido de a tentar limpar. O melhor era esquecer-se de novo, pensou. Abriu o armário e, sim, lá estava ela, a última conserva perdida. Abriu-a e olhou em volta.
- Olha, um bocado de pão seco, boa!
Foi partindo o pão em bocados mais pequenos, chafurdando na lata enquanto pensava numa tacinha de vinho.
- Raios, vai mesmo água! Que remédio!
Pegou num copo, encheu-o na torneira e bebeu um pouco.
- Aaarrghh.....
Já com o estomago em estado de não insulto voltou para a cama. Restava-lhe esperar pelo telefonema de Mags antes de pensar em outra coisa qualquer. Ir para a rua antes disso poderia ser arriscado. De quando em vez tinha uns laivos de bom senso, sem sequer perceber de onde eles vinham, mas ainda bem que os tinha, pelo menos achava isso na maior parte das vezes, noutras nem por isso.
O tempo passava e ele sentia-se cada vez mais entorpecido. Não estava a gostar daquilo, não ia passar o dia na cama. Olhou para o telemóvel e constatou que já passava da hora de almoço. Não, não ia ficar ali. Levantou-se e sentou-se na cama.
- Ok, vamos lá ver que merda vamos fazer hoje.
Calçou as botas, vestiu o blusão, enfiou nos bolsos as coisas do costume e saiu. Sentiu o sol bater-lhe na testa dorida e arranhada.
- Preciso é de álcool para desinfetar - disse a rir-se.
Começou pela sua paragem habitual. Espreitou, deu dois passos no interior e voltou a sair. Não havia por ali ninguém que lhe pudesse pagar um copo. Começou a vaguear sem saber muito bem onde ir quando viu o seu vizinho, o da alcunha esquisita, vir na sua direção
- Hey rapaz!
- Olá Joseph, estás bem?
- Sim, andava a ver se encontrava alguém que me pagasse uma tacinha e olha, encontrei-te! - disse com uma gargalhada
- Oh Joseph, não pode ser. Tenho uma coisa importante agora. Mas recebi algum dinheiro. Toma lá 20 paus e diverte-te amigo. A de hoje é por minha conta! - disse a rir-se.
- Mas o que te aconteceu á cabeça?
- Opá, visita do estupido do senhorio logo de madrugada. Baralhei-me nas pernas e bati c9m a testa onde não devia. Mas isto não é nada. Logo passa.
- Bom, tenho de ir. Ve lá se não estragas o resto pá!
- Vou tentar!
Joseph guardou o dinheiro com um sorriso de orelha a orelha.
- Obrigada amigo, és um catita!
Separaram-se indo cada um numa direção oposta. Joseph sentia-se eufórico. Tinha dinheiro suficiente para ir ao supermercado comprar uma garrafa de vodka, uns litros de vinho de pacote e talvez alguma comida.
No supermercado correu como de costume, todos a olharem para ele, o segurança a segui-lo como se da sua sombra se tratasse e até a rapariguinha da caixa, que geralmente tem medo de olhar para ele, decidiu fixar o olhar na sua testa, com um ar de reprovação. Como se ela sequer imaginasse o que lhe tinha acontecido. Enfim, já estava habituado, era sempre assim. Num mundo onde as aparências é o que mais conta, ele era o borrão. Há muito tempo que isso tinha deixado de o incomodar, se é que alguma vez o incomodou.
Pagou e ainda ficou com alguns trocos no bolso. No caminho para casa decidiu que ia passar o resto do dia ao sol com os seus headphones e a garrafa de vodka. Ia ser uma bela tarde.
Era assim que estava quando o telemóvel tocou, esticado no chão do seu quintal improvisado, com a garrafa ao lado e a abanar a cabeça ao som de uma das suas bandas preferidas. Desligou o som para poder atender. Era a Mags.
- Olá Mags, já pensava que não me ias ligar.
- Olá rapaz, só agora foi possível. Amanhã vamos ensaiar, queres vir e ver no que dá? Ficava-mos logo todos a saber como ia ser. O que te parece?
- Parece bem, tens é que passar por aqui para poder levar o baixo, pode ser?
- Combinado! Amanhã, fim de tarde. Até lá moço!
- Até Mags!
Desligou e sorriu. Pronto, isto estava resolvido. Logo se veria se era mesmo isto que queria, voltar a tocar com a Mags e companhia. Deu um gole na garrafa e torceu a cara num esgar de perfeito horror.
- Porra, que este é mesmo do mau. Mas bate que se farta. - disse a rir-se.
Ia voltar a colocar os headphones quando o telemóvel tocou de novo.
- Outra vez? - disse a olhar para ele.
- Ah é a papoila.... Lianne
Todo o seu rosto se iluminou enquanto pensava que a tarde já estava a correr bem demais para o que seria normal.
- Papoila linda! Como estás tu?
- Joseph... Estou bem e contigo, está tudo bem? Estava aqui a pensar... Estou com vontade de jantar contigo hoje, o que achas disso?
- Oh papoila, parece-me muito bem! Daqui a pouco estou aí, é isso?
- É, é isso.... Cá te espero então. Até já.
- Até já papoila linda.
Sentiu-se excitado. Ia ter festa boa esta noite. Que mais poderia desejar, voltar a sentir de novo o toque da sua papoila. Sentiu que a vida voltava a reparar nele, seria mesmo isso? Ou seria mais uma das rasteiras maldosas com que a vida gostava de o presentear? O melhor era não pensar muito nisso e deixar-se levar.
- É isso, deixa-te ir carcaça e aproveita.
Riu enquanto calçava as botas. Cheirou a t-shirt e fez uma careta. Trocou de t-shirt, enfiou o blusão, enfiou tudo o que era costume nos bolsos e estava pronto para sair. Bateu com a porta e com um sorriso iluminado começou a movimentar as pernas tortas, ia ser uma caminhada até casa de Lianne. Ia finalmente poder estar com a sua papoila e as saudades que dela tinha. Sabia que ia ser só uma noite e mesmo essa noite só aconteceria se a Lianne para aí estivesse virada. Ela assim era, só fazia o que lhe apetecia quando e com quem queria. Mas não era isso que gostava nela? Sim, também era isso que o fazia desejá-la. Esta sua total independência de tudo e de todos, o seu modo de viver o hoje como se não houvesse amanhã, a completa ausência de tabus e preconceitos, a liberdade com que se dava. Era tudo isso que o fazia desejá-la e quanto menos a tinha, mais a queria ter, tornando esse desejo num sofrimento acentuado. Sabia que esta relação não lhe fazia lá muito bem, mas a verdade é que os momentos com ela valiam por todo o tempo em que se sentia mal por a não ter.
De repente percebeu que já estava á porta de Lianne. Tinha caminhado quase sem dar por isso envolto nestes seus pensamentos. Aprumou-se, apagou o cigarro que tinha vindo a fumar e tocou a campainha. Apenas alguns segundos depois Lianne abre-lhe a porta. Antes de falar, percorreu-a com o olhar. Ela trazia apenas um vestido comprido, que por sinal era bastante transparente. Sorriu e preparou-se para a cumprimentar.
- Olá papoi.... - não acabou a frase.
Foi interrompido pela mão suave e doce de Lianne, que lhe tapou a boca. Lianne sorriu-lhe sedutora e matreira enquanto com a outra mão o puxava para dentro de casa.
- Não digas nada e vem. Preciso de ti - sussurrou Lianne.
Deixou-se levar por ela, a transbordar de excitação.

quarta-feira, maio 11

Estranho...

Estranhos são os momentos errados
Estranhos são os medos
Estranho é esta minha alma, tomada
Estranho é esta serenidade inquieta
Estranho é este desejo de estar em outro lugar
Estranho é este não acreditar na não existência de algo
Estranho é o silêncio que não se deseja
Estranho é a fuga do encontro
Estranho…
Estranha, sou eu.

terça-feira, abril 26

Música, sempre música ...


Porque de repente dei comigo a ouvir “Girlfriend in a coma”, surpreendentemente vinda de onde não esperaria, lembrei-me que na madrugada de segunda-feira, depois de com muito prazer ter dançado ao som de “Bigmouth strikes again” dos The smiths, vi-me envolvida numa conversa, que não sendo nova, nunca deixa de me surpreender. Alguém me disse que tinha acabado de dançar a pior música deles, o que me deixou logo incomodada. Quanto a mim, a frase “pior música” não se aplica aos The Smiths. E até admito que a letra não seja muito interessante, mas a música tem um “balanço” interessante e é cheia de garra. É uma letra sobre alguém que meteu “a pata na poça” e que se sente mal por isso, coisa que já nos aconteceu a todos, acho. E pronto… até é o toque do meu telemóvel.
Mas o que me incomodou mais foi a afirmação de que a melhor música é “There is a light that never goes out”. Já aqui escrevi algo onde dei esta música como exemplo (http://na-corda-bamba.blogspot.pt/2015/02/comunicar-atraves-de-musica-ou-nao.html) e por isso não me vou alongar muito. Talvez seja a mais conhecida, a mais ouvida, mas também a menos compreendida. E a conversa derivou de novo para aí. Esta não é uma música de amor, não é uma música bonitinha. Fala de desespero, da busca por uma esperança que pode nem lá estar. Mas continua a suscitar muito “love”, a ser dedicada a cara-metade e por aí fora.  “E se um autocarro de dois andares chocar connosco, morrer ao teu lado é uma maneira celestial de morrer” não é romântico, deixem-se disso.

quarta-feira, abril 20

Procura-se serenidade perdida numa tarde frágil...


Por vezes basta um olhar, um simples encontro furtivo entre olhares, ou um toque de pele não intencional e algo se acende, como um pequeno choque indolor. Outras vezes é uma simples conversa, inócua, aparentemente sem qualquer consequência, mas tão subtilmente cheia de vontades, tão subtilmente que só damos por isso quando já não há conversa. Inesperadamente já estamos “enrolados” em algo que não quisemos, e continuamos a não querer, ou achamos racionalmente que não. E por mais que digamos para nós próprios “não… não vás por aí, esquece isso…”, a ‘coisa’ vai permanecendo, esquecida por momentos mas sempre viva e incómoda. Tentamos não lhe dar importância numa luta inglória cansando-nos até ao adormecimento. É quase desesperante como o cérebro, tão racional, não deixa essa racionalidade vencer.
Arranjamos uma centena de desculpas para não querer e outras tantas para achar que talvez, talvez valha a pena perceber o que é. Andamos nisto demasiado tempo, ao ponto de quase termos vontade de pôr um anúncio nos perdidos e achados “procura-se serenidade perdida numa tarde frágil”.
Há dias, numa das noites em que me abandonar no sofá me parece a solução, deparei-me com uma frase num filme “deixamos de tocar os outros porque não queremos que eles percebam o que sentimos” ou algo parecido com isto. É verdade. Tentamos ignorá-los (como se isso fosse possível), dizemos para nós que não queremos saber, mas queremos… e vamos sabendo ou achando que sim. E lá decidimos tentar abordar a ‘coisa’, mas como serenidade já não temos, baralhamos tudo e ficamos pior, e lá voltamos ao mesmo “opá…esquece lá isso, tu não queres mesmo continuar nesta insanidade”. Enfim… um dia passa, já não sentimos nada, apenas um imenso vazio.

terça-feira, janeiro 26

Assim, quase do nada...


Ela via-o quase todos os dias, aliás, só não o via ao fim-de-semana, mas não lhe sentia a falta, andava sempre ocupada com outras guerras. Ele tinha um ar sereno e uns olhos doces. Sim, doces, embora nem soubesse dizer de que cor seriam. Ia ao sítio onde sabia encontra-lo com alguma ansiedade alegre, mas sempre que os seus olhos se cruzavam com os dele, desviava o olhar. Isso entristecia-a mas não sabia ser de outro modo. Para minimizar essa tristeza, convencia-se que era no dia seguinte que algo de diferente ia acontecer. Sentia-se melhor com isso.
Dele nada sabia, nem sequer se já tinha reparado na sua existência, sabia apenas que tinham pelo menos uma coisa em comum, ambos gostavam de música. Ele porque a esse mundo estava ligado e ela porque tinha a convicção que a vida sem música era algo demasiado cinzento. Seria isso o suficiente para duas pessoas se ligarem? Não fazia ideia, talvez fosse. Afinal quem era ele? Conseguiriam partilhar algo mais? O que liga as pessoas? O que as faz “procurarem-se”? Não era apenas um ponto? Apenas um ponto, não, o ponto! O ponto de início. O ponto mais importante.
Vivia com estes pensamentos diariamente, era tudo o que tinha. Mas queria mais. Queria saber dele, ouvi-lo, sentir o seu sorriso. Era isso que faltava, o sorriso, nunca o tinha visto sorrir.
E agora ali estava ele, no meio da confusão de gente excitada com a música alta e os copos a rodos. Era a primeira vez que o encontrava num contexto diferente e embora para ela fosse um espaço habitual, começou a sentir-se algo constrangida. Aí tinha a oportunidade que tanto tinha querido, mas… e agora? Que raio ia fazer? Tinha tanto a ganhar e ao mesmo tempo tanto a perder. Nos últimos tempos tinha aprendido, a custo, que uma mulher não devia abordar um homem, era quase como “se pôr a jeito”. A sua geração, no que respeita á relação entre pessoas, tinha entendimentos medonhos. Se uma mulher aborda um homem, seja por que razão for, não passa de uma doidivanas (por vezes passa a coisas bem piores). Tem que se “mostrar” e esperar que aquele que quer abordar repare nela e tenha vontade de a conhecer. Que ideia mais parva. Ela nunca foi assim, quando algo ou alguém desperta a sua curiosidade, a intriga, ela não quer ficar á espera “mostrando-se”, vai á procura. E isso faz dela o quê? Apenas alguém bastante inquieto com a vida. Não é assim tão mau. E se ao abordá-lo, simplesmente fosse ignorada? Acabava-se tudo. Deixava de lado os pensamentos que a tinham alimentado nos últimos tempos. Ficaria triste, mas acabaria por esquecer. Não tinha assim tanto a perder, afinal.
Acabou por se levantar, ainda com pouca convicção, e serpenteando por entre os presentes conseguiu chegar perto dele. Queria sorrir, mas sentia-se demasiado apreensiva para o conseguir fazer. Ficou ali a olhar para ele a sentir-se uma completa idiota até que viu. Viu um sorriso inesperado a ilumina-la. Ele sorriu-lhe. Assim, quase do nada, sorriu-lhe e disse-lhe qualquer coisa. Mas o que era? Pediu-lhe para repetir. A sua cabeça estava um turbilhão, deixou de saber onde estava e o que devia fazer. Perdeu-se naquelas palavras. Ele apenas lhe disse que finalmente poderiam conversar um pouco. Mas isso para ela era a resposta a muitas das suas dúvidas. Ele sabia da sua existência! Invariavelmente não acreditava que fosse possível, mesmo quando o desejava pensava que tudo não passava de uma fantasia sua e depois… depois ficava surpreendentemente maravilhada.
Sentiu uma mão no seu rosto e deu-se conta que a sua paralisação tinha durado tempo demais. Sorriu. Sorriu com a alma. Ali estavam aqueles olhos doces, abertos, desprotegidos. Deixou-se levar. Tinha acabado o tempo dos pensamentos, dúvidas e fantasias. Começava um novo tempo. O tempo de se despir de tudo e abrir a percepção. Um tempo de incógnita, não dúvida, mas uma incógnita invocativa. O início de uma página, a que ela se entregava. Breve, longa, intensa ou desinteressante, não sabia. Apenas sabia que tinha que estar nessa página. E queria.
Sorriu de novo, segurou-lhe na mão e deu um passo. Foram.

sábado, novembro 14

Não me julguem...



Não me julguem pela minha cor, ou pela falta dela
Não me julguem pela minha religião ou pela falta dela
Não me julguem pelas convicções políticas ou pela falta delas
Não me julguem pela minha beleza ou pela falta dela
Não me julguem pela minha roupa ou pela falta dela
Não me julguem pelos meus gostos ou pela falta deles
Não me julguem pelo que conheço ou pelo que desconheço
Não me julguem
E se precisarem de me julgar
Julguem-me pelos meus actos ou pela falta deles...
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