sábado, junho 6

...




Todas as acções têm consequências, poucas vezes para quem as pratica.

Esta é a frase que recorrentemente me assalta a mente. Não é uma frase construída com grande iluminação, nem sequer é proveniente de um pensamento mais profundo. É apenas uma constatação. Todas as nossas acções e atitudes têm consequências. Todas ou quase todas, e se não é em nós é nos noutros, naqueles que sem pedirem, acabam por sofrer as consequências.
Ultimamente tenho constatado que as pessoas deixaram de se preocupar com isso, se é que alguma vez o fizeram. Agem, do modo que mais lhes convém na altura, ou do modo que “melhor lhes vai saber”, sem antes pensar como ficará o outro com essa atitude. E isto porque querem, porque lhes dá mais jeito ou porque “são assim, gostam de o fazer e então fazem-no”. E depois, perante a consequência, é fácil o descarte com frases como “não ligues, ando transtornado/a” ou “tinha bebido uns copos a mais” ou então (e esta é a minha preferida) “pensei que não tinha importância”. Tudo importa, mais ou menos, mas importa. Principalmente no que toca ao relacionamento entre as pessoas, seja ele de que tipo for. Durante toda a vida tenho cuidado em pensar antes de agir, e quando a consequência não é assim tão agradável, sei que aquilo que tenho a fazer é explicar o porquê, sem desculpa, e tentar minimizar de algum modo essa consequência, e sim, pedir desculpa se for caso disso.
Por isso,  tenham cuidado, é muito fácil “mandar alguém ao tapete” e nem toda a gente se consegue levantar logo de seguida.


quarta-feira, junho 3

Á deriva na inquietude - I



I
Joseph acordou para mais um dia. Um dia igual a tantos outros, passado entre paredes nos seus quatro metros quadrados pouco ventilados e deprimentes. Os seus dias eram assim. Por vezes tinha algo para fazer fora de casa. Alguma chatice a tratar ou alguma saída com algum amigo. Dantes ainda dava uso ao seu baixo, mas até isso se tinha esfumado, ultimamente só lhe tocava para ter a certeza que ainda existia. Havia dias, quando tinha alguma coisa no bolso, até ia beber uns copos, mas esses dias eram poucos. Saiu da cama com um salto, dirigiu-se á casa de banho e olhou-se ao espelho.
- Raios, parece que fui atropelado!
Fez a sua higiene e voltou para o quarto. Enfiou umas calças coçadas pelo tempo e uma camisola por cima da t-shirt. Fez um cigarro a custo, as mãos não estavam a ajudar, acendeu-o, aspirou fundo e fechou os olhos. Não se sentia preparado para mais um dia, mas tinha que aguentar. Era só mais um dia.
Recostou-se na cama a saborear o seu cigarro e a pensar em como é que tinha chegado ali. Não culpava ninguém, afinal sempre tinha feito o que quis. Foram anos de vícios a destruírem-lhe o corpo e a mente. Não, a mente nem ficou assim tão mal. E nem se queixa disso, afinal alguns desses anos até foram bem bons. O resultado é que não foi grande coisa. Ali estava, sem conseguir arranjar um trabalho, totalmente dependente da assistência social, a tentar manter-se á tona. Era tão fácil deixar-se ir ao fundo. Deu uma chapada a si próprio.
- Hey, pára lá com as parvoíces. Vai mas é ver se sobrou algum vinho.
Ao entrar na cozinha franziu o sobrolho e teve vontade de voltar para trás.
- Sério? Que grande porcaria! Ainda vou ter que limpar esta treta toda? E vinho? Não há! Isto está mesmo a correr bem.
Voltou para o quarto a tentar esquecer que havia uma cozinha naquela casa. Lembrou-se de repente que tinha uma garrafa de água no congelador. Foi buscá-la. Felizmente estava só semi-congelada, pensou. Bebeu um golo quase interminável.
- Bom, parece que hoje em vez de ser dia de desidratar é dia de hidratar. As coisas a que me sujeito, porra!
Voltou para a cama, arrotou e recostou-se.
- Ups …. É só água!
Tinha que se lembrar se tinha alguma coisa para fazer. Tinha? Não, não se lembrava de nada. Era mesmo só mais um dia como os outros. Fez outro cigarro, agora com maior agilidade de mãos. Pelo menos isso tinha melhorado. Acendeu-o, vestiu o blusão, enfiou o chapéu e sai Apalpou os bolsos.
- Ai, falta o telemóvel!
Voltou a entrar, procurou á volta, onde se tinha enfiado o estúpido do aparelho? Ah, lá estava, mesmo em cima da mesa-de-cabeceira. Meteu-o no bolso e voltou a sair. Desta vez cheio de confiança. Ia passar na tasca, podia ser que alguém lhe pagasse uma tacinha.
Entrou na tasca e olhou á volta, lá estavam as caras do costume no sítio de sempre. Aquilo já parecia lugares cativos. Foi cumprimentando de um lado e de outro, com um sorriso nem sempre sincero, havia por ali gente de quem sinceramente não gostava, até que ouviu uma voz vinda do fundo do balcão.
- Hey Joseph, vai uma tacinha? Já não te via por aqui há uns dias! Estás bem moço?
Era o seu vizinho, o da alcunha esquisita. Costumava diariamente desesperar com a música pouco interessante que ele insistia em ouvir bastante alto e com o ladrar do cão. Mas sinceramente, o cão era o que o incomodava menos. Dirigiu-se para lá.
- Hey, não tenho estado por aqui – mentiu.
Já há dias que não saía de casa. Meteu a mão ao bolso e sacou de umas moedas.
- Deixa lá isso, eu pago-te o copo! – Disse-lhe o vizinho.
- Ok, isto ainda dá para uma bifana.
Lembrou-se que não tinha comido nada. Pediram a bifana e as duas tacinhas e ficaram por ali a falar da vida torta quase comum aos dois.
Nisto, toca o telemóvel. Tirou-o do bolso atabalhoadamente e olhou-o. Era a sua amiga Emily. Alguém de quem gostava bastante, tinha que atender.
- Vou ali fora atender!
Correu para a porta com medo que o telefone parasse de tocar. Atendeu.
- Oi Emily, como estás tu rapariga?
Ouviu do outro lado pergunta idêntica, assim como a Emily a perguntar se podia passar por casa dele mais tarde. Afinal já não se viam há algum tempo. Tinha saudades dela.
- Sim, sim, claro rapariga. Estou aqui na tasca, mas não tarda volto para casa. Espero por ti. Até já rapariga!
Desligou. Ia ser bom passar algum tempo com a Emily, a sua companhia fazia-lhe sempre tão bem. Pena não ter nada para lhe oferecer. Bom, tinha água, já não é mau.
Voltou para dentro e para a conversa com o vizinho, sem deixar de se sentir empolgado com a visita que ia receber. Agora sim, sorria cheio de vontade.
O vizinho lá continuou com as suas palavras pouco estimulantes. Já há alguns momentos atrás tinha deixado de o ouvir. Estava focado na Emily. Uma amiga que vinha da sua juventude, do tempo em que ainda tinha sonhos, a ambição de fazer coisas memoráveis, enfim, dos tempos de ingenuidade. Lembra-se bem. Nessa altura tudo era descoberta. O país tinha-se aberto ao mundo poucos anos antes, e esses anos em que ganhou a liberdade da busca foram quase extenuantes de tão intensos. Emily acompanhou-o em algumas dessas aventuras, felizmente não em todas. Vem-lhe á memoria o modo como ela se afastou de tudo o que não gostava nele e foi nessa altura que começou a sentir a sua vida a fugir-lhe, não pela Emily, mas por todas as opções para lá de duvidosas que acabou por seguir.
Abanou a cabeça vigorosamente.
- Mas estás parvo, estupido ou imbecil? – Escapou-lhe em voz alta.
- Que foi Joseph? Que disse eu assim de tão idiota? – Perguntou o vizinho.
- Desculpa, estava a pensar aqui numas coisas e saiu-me parte pela boca. Acho que é melhor ir apanhar ar. Até logo, pá!
Fez uma festa ao cão, no qual ainda nem tinha reparado, e apressou-se a sair dali.
Não queria voltar para casa, afinal, a Emily ainda ia demorar e tinha tempo de sobra para exercitar as pernas.
A sua amiga tinha voltado e era nisso que se queria focar. Num presente mais risonho com a presença dela. Tinha ficado surpreendido que ao fim de tanto tempo, ela o tivesse querido encontrar de novo. Dizem que os verdadeiros amigos voltam sempre a encontrar-se, mais cedo ou mais tarde. Parece que é verdade.
A vida tinha-lhe tirado quase tudo. Errado! Ele tinha permitido isso. Tinha estragado tanto que se assim não fosse nem compreensível seria. E por tudo ter sido assim, ultimamente só conseguia encontrar paz e talvez alguma esperança (nem sabia bem o significado dessa palavra), no fundo de um copo. Sentia que caminhava por um túnel negro sem luz ao fundo, e que não existia nada que o impedisse de continuar. Era assim. Olhou para o chão e decidiu voltar para casa. Sorriu de novo. Ia estar com a Emily e por agora era só isso que importava.
Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.